Até há pouco tempo, entrar para o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), carreira conhecida por força física e combate em campo, era uma possibilidade restrita ao sexo masculino. Mas desde 1993, oficiais mulheres passaram a ser admitidas em concursos da instituição e, hoje, 540 fazem parte do quadro dos bravos combatentes. Aqui, quatro delas contam como passaram a integrar a entidade reconhecida pela missão de salvar vidas.
No trabalho corriqueiro ou em eventos de grande proporção, que exigem ainda mais coragem – a exemplo do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho -, elas vivem em meio a emoção. E lidam, ainda, com os papéis cotidianos como administrar a casa, a vida afetiva e social, a educação dos filhos.
Homenagem
Nesta sexta-feira (6/3), a major Karla Lessa Alvarenga Leal, primeira mulher entre as bombeiras do Brasil a assumir a função de comandante de helicóptero, recebe homenagem da Assembleia Legislativa, pelo Dia Internacional da Mulher. Karla é exemplo de que é, sim, possível chegar ao topo da carreira militar, e se tornou referência para muitas jovens que sonham com profissões tidas como masculinas.
Trajetória
Karla revela que na ala masculina da família houve um certo estranhamento pela escolha da profissão. “Meu pai mencionou que ‘bombeiro não era coisa para mulher’, mas foi um dos poucos comentários que fez de cunho limitador. No geral, meus familiares apoiam e ajudam minhas escolhas. Guardo exemplos de atitudes proativas, decididas e com forte opinião adotadas pelas mulheres de minha família, o que é uma referência”, avalia.
Dedicação aos estudos, disciplina, prática de esportes e a caminhada diária de 5 quilômetros entre casa e escola são apontados pela major como pontos que ajudaram na aprovação do concurso e no preparo físico para o treinamento. Em 2000, quando foi aprovada no concurso, o ingresso de mulheres na corporação já não era novidade. No entanto, a major alcançou postos inéditos entre militares do sexo feminino. “Sou a primeira mulher a assumir função de comandante de helicóptero pelo que tenho notícia. Mas há outras mulheres pilotos”, conta.
Obstáculos e conquistas
A major aponta como maior obstáculo enfrentado “lidar com alguns posicionamentos preconceituosas dentro da corporação”. Entre as conquistas, Karla se orgulha de se ser comandante de aeronave do CBMMG, instrutora de voo, examinadora credenciada da Anac e piloto habilitada para voar sob regra de voo não visual. Para além da realização pessoal, ela cita participação no “fortalecimento e estruturação do Batalhão de Operações Aéreas do CBMMG, tornando-o referência de atendimento à população no país”.
Elas chegaram
Com apenas 18 anos, Graziele de Souza Ferreira ingressou na carreira de bombeiro militar em 2008. “Havia acabado de me formar e tinha vontade de prestar um concurso público da PMMG. Mal conhecia o Corpo de Bombeiros à época, mas minha mãe foi minha grande incentivadora, pois tinha o sonho de ser bombeiro em sua juventude. Um dia, vimos um outdoor que dizia: ‘Seja um Soldado do Fogo! Inscreva-se no concurso para o curso de formação de soldados do CBBMG’. Imediatamente, fiz a inscrição”, lembra.
Nem mesmo o teste físico desanimou Graziele, na época sedentária. “Treinei muito, musculação aliada ao que era cobrado nas provas específicas. E tive ajuda de um amigo da família, policial militar, e do personal”, revela.
Graziele foi admitida em uma turma com mais 27 mulheres que se apoiam em tudo. Ela divide a rotina entre trabalho, lazer, atividades físicas diárias e cuidados com a cachorrinha. Na corporação, ela conta ter vivenciado muita coisa no serviço operacional. “Amava entrar de serviço sem saber o que me esperava naquele plantão. A missão que me dá mais orgulho em ter participado, sem dúvida, é a Operação Brumadinho”.
A busca por mais realização é uma constante. “Tenho muito orgulho desses 11 anos de serviço militar. É claro que ainda tenho muito a caminhar, porém já me realizei em vários aspectos. Consegui passar no concurso que mais almejava, fiz alguns cursos de especialização, sou respeitada e tenho voz ativa no meu batalhão. A mensagem que sempre tento transmitir às mulheres é: somos capazes! Podemos realizar tudo aquilo que almejarmos! Somos respeitadas a partir do momento em que desempenhamos o nosso papel da melhor maneira possível”, frisa.
Sargento e mãe
As bombeiras militares também são mães. Exemplo é a sargento Nardely Santos Rodrigues, 31 anos, militar há 11 e mãe de três crianças. Ela conta que ingressou na carreira como alternativa de um trabalho estável, e logo se apaixonou pelo ambiente militar. “Cresci em um âmbito social com pouco incentivo. Fui criada por mãe solteira, a quem devo minha educação e o aprendizado de que era preciso buscar uma oportunidade de sucesso por meio de um concurso público. A princípio, não conhecia muito do militarismo, decidi prestar por necessidade. Mas, com o tempo, me encontrei na profissão. Hoje, amo o que eu faço e tenho certeza que ser bombeiro é minha vocação! ”, destaca.
A rotina de mãe de crianças em idades diferentes, esposa e militar é um tanto puxada, reconhece. No entanto, o apoio do marido, também bombeiro militar, faz com que o time jogue em harmonia. “São desafios diários, mas me considero abençoada por poder contar com um esposo e pai presente em todos os momentos. E também com minha mãe, que nos ajuda muito cuidando das crianças durante nossos plantões. Sinceramente, não sei dizer qual seria minha versão mais desafiadora, a de bombeiro militar, esposa ou mãe, mas sou completamente realizada por poder ser as três”.
Gratidão
A cabo Stephanie Esteves Medeiros, hoje com 30 anos, também entrou para a carreira militar muito jovem. Recebeu da mãe e do padrasto – referência por ter se aposentado como sargento da Polícia Militar – incentivo para prestar o concurso. “Ingressei aos 18 anos, em 2008, um ano após me formar no ensino médio”.
Entre as barreiras enfrentadas, a militar aponta a descrença pela pouca idade. Porém, não deu ouvidos e apostou nos estudos e no preparo físico. De início, ficou assustada com a forma de tratamento do militarismo, mas logo se encontrou. “Ingressei em uma turma de 27 mulheres e todas fomos recebidas da mesma forma que os masculinos. Como costumamos dizer, de forma bem ‘rústica’”, conta.
A militar acredita que ainda há muito para evoluir em relação a questão de gênero, mas também há muitos motivos para comemorar. “Nesses anos de carreira, vi muita coisa mudar para melhor. Não foi fácil chegar até aqui. Mas consegui, e sou grata por tudo. Dica para as que sonham em ingressar na carreira de Bombeiro Militar: nunca desistam! Haverá pedras no caminho, mas você é mulher, e isso já é uma vantagem”.